Nesta série de textos, cada capítulo proporciona uma viagem por cada um dos oito temas da Campanha tODxS pela Educação para o Desenvolvimento e a Cidadania Global, começando pelo mundo e acabando na Guiné-Bissau, começando com um ponto de situação global e acabando com o trabalho, atual e imediato, de tantos no progresso e desenvolvimento desse país.

Tem havido progresso significativo, a nível global, no desenvolvimento de leis e políticas públicas equitativas de género. Existem, por exemplo, cada vez mais países com leis sobre violência doméstica, leis que proíbem a discriminação no emprego com base no género, que determinam pagamento igual para trabalho de igual valor, e que concedem o direito à licença parental remunerada de pelo menos 14 semanas às mulheres. Estas leis, no entanto, nem sempre chegam efetivamente às mulheres nos países em que estão em vigor, por vários fatores: mulheres com empregos informais, ou que trabalham nos campos agrícolas, não têm sequer a oportunidade de recorrer ao direito de licença parental remunerada, ou de reivindicar a igualdade salarial. Se o sistema de proteção de vítimas de abuso não for eficaz, muitas mulheres não terão sequer as condições para recorrer, com a segurança necessária, a leis de proteção da violência doméstica.
Leis e políticas públicas são somente indicadores indiretos do progresso dos direitos e bem-estar das mulheres. São indiretos por refletirem principalmente o reconhecimento na classe política, ou numa determinada parte desta, de haver uma série de dimensões em que as condições sociais são determinadas por ideias de género. Não refletem a medida em que este reconhecimento consta na sociedade como um todo.
Existem outros indicadores, contudo, que demostram diretamente a distribuição, tão pouco equitativa, dos direitos e oportunidades que permitam que as mulheres, em todas as geografias, possam libertar o seu potencial.
A taxa de mortalidade materna indica, por exemplo, a qualidade e o acesso aos cuidados de saúde materna, e a extensão em que o direito à vida é instituído num determinado contexto. A taxa global de mortalidade materna desceu de 339 mortes por cada 100.000 nados-vivos em 2000 para 223 em 2020.
Como qualquer média aritmética, esta taxa não indica a distribuição regional, nacional ou local da mortalidade materna. Olhando para os dados desagregados por país, a diminuição na taxa é contida significativamente pela contínua persistência de taxas de mortalidade materna extremamente altas num pequeno grupo de países, que incluem o Sudão do Sul, o Chade, a Nigéria, a República Centro Africana e a Guiné-Bissau.
Dados das Nações Unidas mostram que melhorias na prestação de cuidados maternos na Ásia são em grande parte responsáveis pelo declínio na taxa global, com uma mudança de 207.742 mortes em 2000 em total para 67.968 em 2020. No continente africano regista-se uma mudança extremamente pequena, muito pouco significativa, de 225.668 mortes maternas em 2000 para 207.743 em 2020. A urgência de instituir melhores práticas de saúde, de proteger este direito à vida tão ligado às desigualdades de género nas sociedades, é exacerbada pela África ser o continente com a maior taxa de crescimento populacional, pela vida de cada vez mais mulheres estar em causa.
As desigualdades de género incidem, também, em outras dimensões da saúde e bem-estar das mulheres, como a autonomia sexual, médica e física. De acordo com dados do Banco Mundial, a percentagem de mulheres que reportam fazer por si próprias decisões informadas sobre relações sexuais, uso de contracetivos e cuidados reprodutivos pode ser tão baixo como 63.8% no Bangladesh, 35.9% em Timor-Leste, e mesmo 5.3% no Mali. Este inquérito, embora feito em apenas seis países, indica a profunda falta de autonomia sexual e médica de mulheres em regiões tão diferentes como a Ásia, a Oceânia e África. Demonstra, também, a falta de acesso a informações sobre decisões críticas para a saúde e sexualidade de cada mulher, ao longo da sua vida.
Esta falta de autonomia na área da reprodução e sexualidade reflete-se, adicionalmente, na proporção de mulheres que reportam ter sofrido violência sexual por um parceiro íntimo nos últimos 12 meses. A taxa global de mulheres que tenham sofrido violência sexual neste período é de 9.9%, uma prevalência extraordinariamente alta. A África subsaariana reporta a maior taxa, com 18.2%, e a Europa a menor, com 4.2%.
Mais de 230 milhões de raparigas e mulheres sobrevivem à prática de mutilação genital feminina (MGF), e vivem os seus efeitos diariamente ao longo das suas vidas. Esta prática causa complicações graves, como “problemas menstruais, dor durante relações sexuais, diminuição de satisfação sexual, infertilidade, complicações no parto, hemorragias pós-parto, natimortos e aumento do risco de mortes de recém-nascidos”, refere a UN Women.
Sobreviventes de MGF têm também de navegar as dificuldades psicológicas desta experiência traumática, incluindo relacionarem-se com as famílias ou comunidades que permitiram ou encorajaram a prática de MGF. Questionados sobre os motivos por esta prática, muitos inquiridos relatam considerar importante diminuir a “impura propensão” das mulheres para a sexualidade (Boiro, 2024: 54). Tomadas em conjunto, então, a violência sexual e a mutilação genital feminina refletem a preponderância para o controlo, para a coerção e violência sistemática sobre raparigas e mulheres. Constituem apenas duas das maneiras em que a realização plena da saúde e sexualidade das mulheres é impedida ou condicionada por desígnios impostos por homens e pela sociedade patriarcal em geral.
Um dos mais marcantes indicadores deste efeito, de controlo e condicionamento, são inquéritos de opinião feitos a mulheres sobre violência doméstica. Um inquérito, por exemplo, procurou identificar a proporção de mulheres que reportam acreditar que um marido está justificado em bater na sua mulher em pelo menos uma das seguintes cinco situações: no caso de o contradizer, de recusar ter sexo com ele, de queimar a comida sem querer, de sair de casa sem o avisar, e de negligenciar as suas crianças. Na Colômbia e na África do Sul as taxas são “baixas”, de 3,1% e 5,5% respetivamente. Mas podem chegar a ser tão altas como 79,4% no Mali e 80,2% no Afeganistão, países em que são sistematicamente revogados tantos direitos das mulheres para além do direito à integridade física.
Na Guiné-Bissau, como em tantos outros contextos, a emancipação das mulheres passa pela mudança de opiniões, pela consciencialização em toda a sociedade das barreiras e das violências rotineiras sobre as mulheres.
Apesar da oposição generalizada à MGF por parte de meninas e mulheres guineenses, a MGF continua a afetar mais de metade da população feminina da Guiné-Bissau, com as taxas de MGF permanecendo inalteradas há pelo menos quatro décadas. Isso pode indicar que existe pouca consciencialização, entre homens e especialmente junto a autoridades tradicionais e religiosas, sobre os efeitos de MGF.
Na matéria de educação, as taxas de alfabetização continuam a mostrar uma disparidade gritante, com uma diferença de mais de 26 pontos percentuais entre as proporções de homens e mulheres com alfabetização (67,6% e 41,0%, respetivamente). Em matéria de acesso ao mercado de trabalho, 86,9% das mulheres guineenses que têm trabalho estão em empregos vulneráveis ou precários, comparado a 69,9% de homens. Os dados de emprego vulnerável no mundo como um todo são, para mulheres e homens respetivamente, 45,1% e 43,4%, indicando a grande desigualdade em acesso a trabalho digno e justo que consta na Guiné-Bissau relativo a outras partes do mundo. Estas disparidades fazem em parte com que a incidência da pobreza caia maioritariamente sobre as mulheres.
Dado este quadro de múltiplos desafios, complexo social e economicamente, veja a perspetiva de três atores de transformação social, empenhados na sensibilização e mudança das condições sociais das mulheres: Adama Baldé, Bubacar Turé e Jorge Handem.
Entrevista Adama Baldé – Igualdade de Gênero
Entrevista Bubacar Turé – Direitos das Mulheres na Guiné-Bissau
Entrevista Jorge Handem – Igualdade na Guiné-Bissau
Para saberes mais sobre este tema consulte a nossa ficha de ação pedagógica aqui.
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Boiro, H. (2024), Estudo Compreensivo sobre a Radicalização e Extremismo Violento na Guiné-Bissau (1ª edição), Guiné-Bissau: Instituto Marquês de Valle Flôr (IMVF) e Liga Guineense dos Direitos Humanos (LGDH).