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23 Abr 2025

Uma viagem pela Campanha tODxS: | Ep. 3: Direitos Humanos

Nesta série de textos, cada capítulo proporciona uma viagem por cada um dos oito temas da Campanha tODxS pela Educação para o Desenvolvimento e a Cidadania Global, começando pelo mundo e acabando na Guiné-Bissau, começando com um ponto de situação global e acabando com o trabalho, atual e imediato, de tantos no progresso e desenvolvimento desse país. 

Guiné-Bissau, Março de 2024 — Mário Cruz, fotojornalista. 

Direitos humanos podem ser definidos como um conjunto de reivindicações normativas cujo âmbito e conteúdo são o produto da evolução de consensos sobre justiça e dignidade humana. 

Na sua mais famosa articulação, a Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948, os direitos humanos incluem o direito à vida, à liberdade e à comida, e a proibição, em todos os lugares e para todos os tempos, de tortura e detenção arbitrária.  

Na base desta e de outras declarações, vários índices avaliam a consecução de direitos humanos em cada país. De acordo com o índice construído pelo Varieties of Democracy, que vai de 0 a 1, países com alta consecução em 2024 incluem a Suécia (0,96) e a Suíça (0,95), médios a Índia (0,6) e Moçambique (0,48), e baixos a Rússia (0,26) e o Egito (0,27). Os mais baixos, todos estados autocráticos, são a Eritreia (0,05), o Afeganistão (0,04) e a Coreia do Norte (0,02). 

Num outro índice, também do Varieties of Democracy, sobre a medida em que a proteção de direitos é igual num dado país, vários países no ocidente apresentam valores altos, como a Suécia (0,93) e, ligeiramente mais baixos, Portugal (0,81) e os EUA (0,71). 

Estes valores, e estes índices em geral, oferecem apenas uma imagem parcial da salvaguarda global dos direitos humanos, considerando que os direitos humanos são menos uma medida do que um paradigma, uma forma de enquadrar e atender a questões éticas local e internacionalmente. A implementação de direitos humanos não pode ser, por isso, simplesmente medida de forma discreta, de país a país; ela depende significativamente do desenvolvimento de uma sociedade internacional, coesa e pacífica, que assume os direitos humanos como âmbito prioritário da ação política internacional. 

Estes índices não refletem, por exemplo, o papel de países estrangeiros na violação de direitos humanos num dado país. Os EUA têm intervindo, ao longo das décadas, em dezenas de países, resultando, para citar um exemplo trágico e historicamente recente, na morte de milhares de civis na Guerra do Iraque de 2003-11. Neste índice, falando de outro contexto, o estado de Israel apresenta um valor de 0.8. Considerando o quadro global, este valor é bastante alto, embora os atos de Israel indiquem, como refere a Human Rights Watch, “que, pelo menos em zonas de proteção e nos corredores sanitários em Gaza, as autoridades israelitas estão a seguir uma política de limpeza étnica.” A Human Rights Watch também afirma, num relatório histórico, que “as privações [dos palestinianos] são tão severas que equivalem aos crimes contra a humanidade de apartheid e perseguição.” E, finalmente, a Amnesty International defende que identificou “suficientes provas para concluir que Israel tem e está a continuar a cometer genocídio contra os palestinianos.” 

A intervenção militar é, no entanto, somente uma das maneiras em que poderes estrangeiros afetam a consecução doméstica de direitos humanos. Governos envolvidos na supressão de dissidência popular, na perseguição de minorias e noutros abusos de poder, evitam as criticas de potências internacionais através da negociação de acordos para a exploração do petróleo, gás e outras fontes naturais críticas para a atividade industrial global. Embora os índices de consecução de direitos humanos sejam bastante mais altos para estas potências, como os EUA, o Reino Unido ou a França, a baixa consecução noutros países, como a Líbia, está ligada precisamente ao modo em que as suas economias são sustentadas pela competição global por recursos, sem que os seus regimes sejam devidamente sujeitos ao escrutínio da sociedade internacional. A consecução de direitos humanos é, por este motivo, indissociável: cada contexto é interdependente e afetado por um quadro global de ações, estratégias e valores nacionais. 

A promoção de direitos humanos, nominalmente o objetivo principal da sociedade internacional, torna-se, com o tempo, limitada por este quadro internacional, e em particular por objetivos de ação governamental como a reeleição, a concretização de crescimento económico e a proteção da soberania nacional. Esta interdependência manifestamente dá significado ao slogan, frequentemente repetido, de que a qualidade da nossa liberdade depende da liberdade dos outros. Mostra como as nossas vidas estão globalmente interligadas, mostra como temos razões, pessoais e impessoais, para sermos solidários com outras lutas noutras geografias. 

Sem o apoio de grandes potências, os direitos humanos continuarão a ser, na melhor das hipóteses, apenas uma língua franca de fóruns internacionais e não a base por uma verdadeira ética internacionalista, de solidariedade e humanitarismo. 

Amílcar Cabral refere-se, repetidamente, à importância de estabelecer a autonomia nacional, de vencer a dominação colonial portuguesa e excluir qualquer influência estrangeira, de assegurar, para os povos da Guiné-Bissau e de Cabo Verde, o direito à prossecução democrática dos seus objetivos. Estes objetivos, que têm em base alguns dos direitos humanos mais fundamentais, continuam dificultados pelo panorama internacional acima descrito. Têm, no entanto, aumentado progressivamente, à parte de algumas diminuições pontuais, desde a independência em 1973. O valor do índice de direitos humanos da Varieties of Democracy, por exemplo, registou, em 1973, apenas 0,07, enquanto em 2024 já registou um valor de 0,75. 

Como enfatizado anteriormente, estes índices excluem dinâmicas internacionais e não refletem a extensão em que os direitos humanos são vistos como um paradigma de desenvolvimento da sociedade justa e humanitária. Não refletem, também, quais as grandes carências atuais na área de direitos humanos na Guiné-Bissau: a instabilidade política, a fraqueza das instituições, a perseguição política, o adiamento do exercício do direito ao voto, ou a tentativa de condicionamento da oposição política. 

Neste índice também não estão medidos a igualdade de género ou a medida em que as mulheres estão empoderadas. Num outro índice da Varieties of Democracy, que junta medidas da representação política das mulheres, da proteção das suas liberdades civis, e da sua participação na sociedade civil, a Guiné-Bissau apresenta um valor de 0,59, muito aquém da sua consecução no índice geral de direitos humanos. A comparação destes índices sugere que a consecução dos direitos humanos na Guiné-Bissau continua limitada precisamente pelo facto das desigualdades de género serem tão transversais à sociedade guineense. 

O desenvolvimento dos direitos humanos é, portanto, uma questão de muito mais do que o desempenho relativo dos países em índices ponderados – depende da medida em que os direitos humanos são adotados como um paradigma legítimo para o desenvolvimento humano a nível internacional. Na Guiné-Bissau e no mundo em geral, esta continua a ser, como procurei mostrar neste texto, uma luta absolutamente atual. 

Nos seguintes vídeos podemos ouvir diretamente a Adama Baldé e o Bubacar Turé a falar sobre a consecução de precisamente estes dois eixos de direitos humanos, os eixos de género e da integridade de instituições políticas, na Guiné-Bissau. 

Entrevista Adama Baldé: Guiné-Bissau em 2030

Entrevista Adama Baldé: Direitos Humanos

Entrevista Bubacar Ture: Reversão do Estado dos Direitos Humanos

Para saber mais sobre este tema consulte a nossa ficha de ação pedagógica aqui

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