Menu
16 Abr 2025

Uma viagem pela Campanha tODxS | Ep. 2: Segurança, paz e democracia

Nesta série de textos, cada capítulo proporciona uma viagem por cada um dos oito temas da Campanha tODxS pela Educação para o Desenvolvimento e a Cidadania Global, começando pelo mundo e acabando na Guiné-Bissau, começando com um ponto de situação global e acabando com o trabalho, atual e imediato, de tantos no progresso e desenvolvimento desse país. 

Guiné-Bissau, Março de 2024 — Mário Cruz, fotojornalista.

A paz e a democracia, atual e historicamente 

Há várias décadas, na ocasião da cerimónia de entrega do Prémio Nobel para a Paz de 1986, Elie Wiesel apelou ao sentimento, insólito mas sustentador, da solidariedade. 

Afirmou a sua profunda e vivida convicção, como sobrevivente do Holocausto, que “Enquanto um dissidente estiver na prisão, a nossa liberdade não será verdadeira. Enquanto uma criança tiver fome, as nossas vidas estarão repletas de angústia e vergonha. O que todas estas vítimas precisam de saber é, acima de tudo, que não estão sozinhas; que não os esquecemos, que quando as suas vozes forem abafadas nós lhes emprestaremos a nossa, que embora a liberdade deles dependa da nossa, a qualidade da nossa liberdade depende da deles.” 

Afirma Wiesel uma ideia da humanidade como cadeia de solidariedade, recíproca e envolvente. Assume que não são meramente as experiências que nos unem, mas a idealização de valores e o seguimento de cursos de ação por eles regido. Celebra o desejo pela liberdade, dignidade e democracia. 

O que Wiesel nos oferece é a transformação de uma memória, sombria e terrível, dos campos de concentração, num manifesto para uma justiça vindoura. Teremos sempre de apelar contra a prisão de dissidentes, reivindicar os direitos, e rejeitar sempre a guerra da morte, do domínio, da exploração. 

Vemos hoje, contudo, mais de 20% de países a “autocratizar-se”, e a saúde das democracias a diminuir em tais dimensões como o estado de direito, liberdades de associação e proteção de direitos de minorias. De acordo com o projeto Varieties of Democracy, 2.3 mil milhões de pessoas vivem em democracias, uma população bastante menor do que aquela registada em 2017, pelo mesmo projeto, de 3.97 mil milhões. No Índice de Democracia da EIU, o ano de 2024 registou o resultado mais baixo desde 2006. Estes dados indicam que vivemos uma viragem política, institucional e popular, relativamente às ideias em que se alicerça a democracia liberal. Os apelos que existem atualmente pela democratização são fortemente reprimidos, como é o caso em Moçambique, Geórgia, Turquia e muitos outros países. 

Após as eleições moçambicanas de 2024, num clima de desconfiança quanto à lisura do processo eleitoral, milhares de moçambicanos saíram à rua para protestar os resultados e exigir a tomada de posse do candidato de oposição, Venâncio Mondlane. Os protestos, que tiveram lugar em Maputo e em todas as capitais de província, foram recebidos com repressão e brutalidade policial, resultando na morte de pelo menos 250 manifestantes. 

Em 2023-24, deram-se enormes protestos na Geórgia contra a aprovação de uma lei que limita o trabalho de ONG e de agências internacionais de ajuda, amplamente entendida como conduzindo a um encerramento da sociedade georgiana, e como um instrumento para afastar a advocacia por uma sociedade aberta, democraticamente envolvida e transparente. 

Na Turquia, a 19 de março de 2025, foi preso Ekrem İmamoğlu, presidente da câmara de Istanbul e forte líder de oposição ao Recep Tayyip Erdogan e à autocratização por ele promovida, nos últimos 22 anos, nas instituições turcas, da polícia aos tribunais. 

A prisão e brutalização de dezenas de manifestantes colocam em questão os mais básicos direitos civis de protesto e de liberdade de associação, e resta ver, como também com os movimentos democráticos na Síria e na Bielorrússia, o que acontecerá e como estas tensões, políticas e sociais, serão resolvidas. 

Estes diversos acontecimentos são relevantes pelos efeitos que proporcionam internamente, nos vários contextos acima mencionados, e pela ética e ideário que normalizam internacionalmente. São relevantes por afetarem, como Wiesel afirma, a qualidade do exercício dos direitos e liberdades, dos outros e de nós. 

Presentemente a República da Guiné-Bissau vive, também, episódios de violência política. A Guiné-Bissau é afetada pela enorme instabilidade saheliana, uma instabilidade política, militar e social ligada, entre outros fatores, à pobreza, à radicalização religiosa e ao tráfico de drogas e armas. Mas acima de tudo, a Guiné-Bissau é afetada por uma fragilidade institucional.  

José Pedro Sambu renunciou, em novembro de 2023, o seu cargo de Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, afirmando, no dia 3 do mesmo mês, “um grupo de homens armados da Força de Defesa e Segurança impediu-me de sair da minha casa para ir ao serviço, (…) sem, contudo, exibirem um mandado judicial para o efeito.” 

A este acontecimento seguiu-se, em dezembro de 2023, a dissolução do parlamento, dias após um conflito entre a Guarda Nacional, o batalhão da Presidência e a Polícia Judiciária, apelado pelo Presidente da Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embaló, como tentativa de golpe de estado. 

Em setembro de 2024, militares ocuparam a Assembleia Nacional Popular da Guiné-Bissau (ANP), impediram os deputados de entrar e mudaram as fechaduras, facilitando o empossamento de Adja Satu Camará, embora sem a legitimidade conferida por eleições parlamentares, como nova Presidente da ANP. 

Em fevereiro de 2025, o presidente interino do Supremo Tribunal de Justiça, Lima André, assinou unilateralmente um despacho de Embaló a convocar eleições para 23 de novembro de 2025. Esta decisão fomentou ainda mais as atuais tensões interinstitucionais, com críticos do atual governo a defenderem que o mandato de Embaló já expirou, a 27 de fevereiro deste ano. 

Finalmente, a missão de alto nível da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), em Bissau para mediar a disputa político-institucional entre o Presidente e a oposição, foi expulsa por Embaló após reunir-se com a oposição. 

Esta sequência de acontecimentos fragiliza o sistema político na Guiné-Bissau e põe em causa a participação do povo guineense, através da escolha de representantes parlamentares e do exercício de várias liberdades, na tomada de decisões políticas. 

Por isso, estes conflitos institucionais têm como consequência a descredibilização do atual regime político relativo a modos de governação alternativos, como através de juntas militares fortemente armadas, praticados em muitos países vizinhos. É importante, então, que estas tensões institucionais sejam resolvidas em prol do desenvolvimento sustentável do povo guineense, de modo a fornecer uma alternativa credível ao radicalismo religioso ou à securitização do país, como defendem Vines e Dideberg (2024). 

Esta alternativa está claramente articulada por Bubacar Turé, Presidente da Liga Guineense dos Direitos Humanos (LGDH), no seguinte vídeo, acessível aqui.  

Para saber mais sobre este tema consulte a nossa ficha de ação pedagógica aqui e leia, na íntegra, a análise da crise de segurança e democracia na África Ocidental de Vines e Dideberg (2024) aqui

Sabe mais sobre a Campanha tODxS e participa nas nossas atividades. Se este é um tema chave para ti, envia-nos um pequeno texto. A tua reflexão e as tuas palavras serão depois integradas no Livro Branco que vamos promover. Junta-te a nós.

Ver mais noticias em: “TODxS” pela Educação para o Desenvolvimento e a Cidadania Global”

plugins premium WordPress