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14 Abr 2025

Uma Viagem pela Campanha tODxS | Ep.1: Pobreza e desigualdades

Nesta série de textos, cada capítulo proporciona uma viagem por cada um dos oito temas da Campanha tODxS pela Educação para o Desenvolvimento e a Cidadania Global, começando pelo mundo e acabando na Guiné-Bissau, começando com um ponto de situação global e acabando com o trabalho, atual e imediato, de tantos no progresso e desenvolvimento desse país. 

Guiné-Bissau, Março de 2024 — Mário Cruz, fotojornalista. 

A pobreza e as desigualdades no mundo 

Amplamente reconhecido como a maior prioridade do desenvolvimento, a pobreza continua a afetar as vidas, a determinar as oportunidades, a condicionar a saúde, educação e nutrição de mais de 20% da população mundial. 

Em 1990, o número de pessoas que viviam com menos de 3.36 euros por dia, um dos limiares de pobreza tipicamente utilizados pelo Banco Mundial, era aproximadamente 3 mil milhões. Desde então, e com os esforços dos demais atores do desenvolvimento, essa população diminuiu para aproximadamente 1.7 mil milhões, uma redução, impressionante e entusiasmante, em apenas algumas décadas. 

Esta representação otimista ignora, no entanto, o progresso de outros indicadores cruciais para uma avaliação fundamentada, para uma imagem holística, da evolução da pobreza no mundo de hoje. 

O aparecimento de várias crises, incluindo a pandemia Covid e a invasão russa da Ucrânia, dificultou os esforços para erradicar a pobreza no nosso tempo. 

As paragens intermitentes de cadeias de abastecimento globais provocaram, para milhões de pessoas, mais insegurança alimentar e energética. A ascensão nos EUA de uma conceção protecionista e comercialista da diplomacia internacional, representado principalmente pela primeira e segunda administração de Trump, levou a cortes drásticos na ajuda externa, pondo em perigo a saúde, a nutrição e o bem-estar de ainda mais milhões de pessoas. Países europeus, como o Reino Unido, França, Alemanha e outros, têm, também, reduzido drasticamente o financiamento para a ajuda externa. 

A ajuda externa representou, em 2021, 0.7% do rendimento nacional bruto (RNB) do Reino Unido. Esta proporção reduziu, em 2025, para 0.3%. O novo orçamento francês, aprovado em fevereiro deste ano, prevê uma contribuição de 0.45% do RNB para a ajuda externa, uma redução significativa relativo aos 0.56% desembolsados há só dois anos, em 2023. Na Alemanha, foram recentemente anunciados cortes de vários milhares de milhões de euros para a ajuda externa, somando-se à diminuição em 29.9% da ajuda humanitária feita ao longo dos quatro anos anteriores nos governos respetivamente liderados pela Angela Merkel e Olaf Scholz. 

Estes cortes refletem uma mudança de tenor, profunda e lata, em toda a diplomacia internacional – uma conflituosidade, o pressentimento de uma guerra mundial iminente, a competição global por recursos preciosos, a procura, urgente e imediata, de soluções para a estagnação e baixo crescimento de economias desenvolvidas. 

Estes fatores geopolíticos, estas razões para a competição e beligerância, fazem com que progresso no ODS 1 – ERRADICAR A POBREZA EM TODAS AS SUAS FORMAS, EM TODOS OS LUGARES seja cada vez mais distante, mais improvável futuramente. Estreitam, irrevogavelmente, o espaço para a cooperação multilateral, para a conceção da sociedade internacional como um liga unida, fraterna, pacífica. 

A pobreza na Guiné-Bissau, hoje e amanhã 

Amílcar Cabral sempre associou a luta pela independência a uma afirmação da humanidade dos povos de Cabo Verde e Guiné-Bissau, a uma humanidade universal e partilhada com todos, dos povos africanos até aos próprios colonialistas portugueses. Deu voz a aspirações universais, à paz, liberdade e felicidade, e à necessidade, como proferiu no seu último discurso, de “dignidade, independência e progresso verdadeiro de todos os povos”. 

A Guiné-Bissau terá, porém, de se desenvolver num contexto global pouco ameno, e porventura hostil, à visão universal e humanista defendida por Amílcar Cabral. Terá de se desenvolver num contexto local grave, com desigualdades marcadas e pobreza extrema. 

Em 2023, os 50% mais pobres de Guiné-Bissau detiveram 17.5% do rendimento nacional bruto, enquanto o percentil mais rico deteve 10.8%. Para efeito de comparação, no mesmo ano os 50% mais pobres de Portugal detiveram, antes de impostos, 19.9% do rendimento nacional bruto, enquanto o percentil mais rico deteve 9.7%. 

Esta desigualdade reflete uma distribuição pouco equitativa, em Portugal como na Guiné-Bissau, de oportunidades para prosperar através de educação de qualidade, acesso a cuidados de saúde e trabalho digno e recompensador. Reflete a pobreza, aparentemente intransigente, tão extensa em ambos os países. 

Na Guiné-Bissau, aproximadamente 26% da população vive em pobreza absoluta, definida como a proporção da população com menos de 2 euros por dia. A média de anos de escolaridade é somente 3.7 anos. Os indicadores de desnutrição são igualmente alarmantes. 

De acordo com o Programa Alimentar Mundial (PAM), 68% da população de Guiné-Bissau não consegue pagar uma dieta nutritiva, com consequências particularmente terríveis para as crianças, que carecem da dieta necessária para se desenvolverem plena e saudavelmente. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS) e a UNICEF, quase 28% de crianças com menos de 5 anos na Guiné-Bissau têm nanismo, definido como estando a uma altura a menos de dois desvios padrão da altura esperada para essa idade. 5.1% de crianças na mesma faixa etária na Guiné-Bissau são emaciadas, definido como estar a um peso a menos de dois desvios padrão do peso esperado para essa idade. Outras consequências de prolongada desnutrição, mais difíceis de contabilizar, incluem dificuldades no desenvolvimento pleno do cérebro e dos sistemas circulatório, respiratório e digestivo. 

Estes indicadores de pobreza coincidem com um quadro pouco entusiasmante de desenvolvimento económico. Em 1973, os valores do rendimento nacional bruto (RNB) e produto interno bruto (PIB) de Guiné-Bissau foram 3 119 e 3 370 euros (PPP) per capita respetivamente. Em 2023, 50 anos após a independência, os valores do RNB e PIB foram, respetivamente, 3 002 e 3 232 euros (PPP) per capita. Esta leve diminuição do RNB e PIB relativo ao ano da independência deve-se a uma conjuntura complexa, que inclui instabilidade política, guerras e a presença, somente esporádica, de ajuda e investimento externo. 

Neste quadro de instabilidade, crise e estagnação, é fundamental advogar pelo reforço de ajuda e investimento externos, para a criação de condições, internacional e localmente, para um desenvolvimento sustentável, inclusivo e equitativo, e para a institucionalização de modelos, na educação e na saúde, mais acessivos e de melhor qualidade. 

Mamadu Bori Balde fala-nos, nos seguintes vídeos, sobre os desafios da Guiné-Bissau, em particular do efeito nocivo da pobreza sobre a educação. 

Vídeo 1: 

Vídeo 2: 

Para saberes mais sobre este tema consulta a nossa ficha de ação pedagógica aqui

Sabe mais sobre a Campanha tODxS e participa nas nossas atividades. Se este é um tema chave para ti, envia-nos um pequeno texto. A tua reflexão e as tuas palavras serão depois integradas no Livro Branco que vamos promover. Junta-te a nós.

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